É com muito orgulho que apresentamos o primeiro episódio do 2º Capítulo do projeto de Storytelling do Café Memória pela Nave16. Estas são as primeiras duas das doze entrevistas com alguns dos técnicos e voluntários do Café Memória.
As entrevistas foram feitas pela embaixadora do projeto, Luísa Castel-Branco e por um membro da equipa Nave16.
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L - Há quanto tempo é voluntária no Café Memória?
S - Há mais ou menos 3 anos. Comecei em 2016 e foi mais ou menos esse tempo.
L - As pessoas têm que ter características especiais para serem voluntárias seja no que for?
S - Eu acho que o principal é a disponibilidade intima. Eu faço voluntariado há 20 anos. Tanto tive momentos de estar bem comigo própria a lavar o chão, a lavar pratos, de estar naquele momento a sentir que estou no sitio certo a fazer o que é certo. Que é estar a prestar serviço, estar incluída, como a dar aulas ou a fazer outro tipo de coisas mas principalmente o que acho é que a pessoa precisa estar disponível para os outros. Eu acho que isso é um aspeto importante.
L - Não pode ser qualquer pessoa, pois não?
S - Eu acho que é assim, em tese pode ser qualquer pessoa, mas ela tem que estar disponível. Porque nós não podemos ajudar se não tivermos o mínimo de equilíbrio.
L - E tem alguma experiência próxima de alguém com demência?
S - Sim tive que uma avó de uma amiga minha, tinha mesmo Alzheimer. Ela chegou a ficar umas noites em minha casa embora fosse a minha amiga que realmente prestasse o apoio. E é complexo, mexe com toda a estrutura da família, a pessoa tem que se adaptar mentalmente a uma nova realidade. Mesmo nós lendo muita coisa, sabendo muita coisa, mesmo assim nem sempre estamos preparados e além disso cada pessoa é uma pessoa, é um universo diferente.
L - E neste momento faz só voluntariado no Café Memória?
S - Não também faço também no Coração Amarelo, numa delegação de Oeiras. É uma instituição que dá apoio a séniors. Nós damos apoio, falamos, levamos a atividades que a instituição promove e faço esse acompanhamento também.
L - Consegue conjugar a sua vida pessoal com isso?
S - Nem sempre é fácil mas já faço voluntariado há algum tempo e aprendo muito com esta experiência. E ao mesmo tempo que estou a ajudar, estou a aprender está a haver uma troca.
L - Esta pergunta que vou fazer, só responde se quiser. É casada?
S - Não.
L - Já foi casada?
S - Não
L - Sabe o que é que eu tava a pensar? Enquanto mulher deve ser muito difícil encontrar um homem que tenha uma igual disponibilidade de se dar. Que a gente não sente que fica aquém de nós. Aquém dessa vontade de melhorar o mundo. Deve ser muito difícil.
S - Sim. E como nem sempre é fácil também arranjar um parceiro que também nos acompanhe em determinados objetivos de vida que nós temos. E isso também é objetivo, o facto de estarmos disponíveis para ajudar também é um objetivo.
L - Numa sociedade em que as pessoas estão cada vez mais egoístas e fazem cada vez menos esse tipo de ajuda.
Mônica - Sónia, está então há três anos no Café Memória. Que momento especial é que já houve?
S - Vários. Um momento especial foi com o Sr. Amadeu que é um senhor que já costuma vir em todas as sessões, já vem desde o início. Eu nem o conhecia, já conheci quando eu entrei, ele já cá vinha várias vezes. E ele tem vindo sempre ao longo do tempo tem acompanhado a doença da esposa que também tinha Alzheimer. A esposa já faleceu. E ele numa sessão levantou-se e disse "eu tenho algo para dizer, que é eu agradeço muito a este grupo de pessoas, ao Café Memória, porque ajudou-me a superar esse processo pelo qual passei e eu hoje sou uma pessoa diferente". E eu, sinceramente, foi um momento que eu me emocionei, eu estava no voluntariado, estava dentro da minha função e ficamos todos parados a ouvir, porque ele foi muito sincero, ele disse aquilo de uma forma muito sincera e muito sentida. E eu achei que realmente foi um momento que tocou vários e foi um momento que me emocionou bastante.
M - Como que é depois, quando acaba aqui, uma sessão do Café Memória, há um botão que desliga, como é que leva depois estas histórias pra casa? Como é que se digere o que se passa aqui?
S - Às vezes é engraçado que no meu trabalho, eu trabalho no banco Santander e as pessoas muitas vezes perguntam como é que é. E olhe, é uma parte de mim, eu tenho várias partes e naquele momento eu estou centrada naquelas pessoas e também no espírito de equipa, da equipa que nós temos aqui no Café Memória. É uma entoação de aprendizagem que eu levo, portanto, eu hoje já sou o acumular de todas estas experiências, aqui e noutros sítios e isso ajuda-me a ter mais tranquilidade, mais serenidade e é um aspeto interessante. Eu quero envelhecer com mais qualidade de vida, por isso também foi uma das razões que este projeto e outros projetos que é se eu também vir o exemplo dos outros eu também vou aprender melhor, vou incorporar isso dentro de mim e eu acho que é um aspeto sem ser algo de imposto, é um aspeto importante que me tem ajudado, que em termos pessoais me tem feito a pessoa que eu sou.
M - Disse que trabalha no Santander, há aí uma história com o Santander que tem que nos contar.
S - É verdade. Nós às vezes, é interessante nós percebermos que podemos ser um pivô consciente ou não, nos locais onde estamos, a cada momento. E o Santander é uma instituição que realmente tem vindo a ter várias ações dentro da área da banca responsável e lançou um projeto que é o Donativo Santander, donativo participativo. Então cada colaborador pode eleger até três instituições no sentido de depois receber um prémio. O banco doa um valor, no caso, o Café Memória foi uma das instituições que eu coloquei como madrinha, portanto eu apadrinhei o projeto. E felizmente pra muita satisfação nossa e minha, obviamente, ganhou. Portanto, 7.500 euros que dá para lançar por exemplo, dois projetos do café memória que eu acho que é excelente. E isso foi uma das conquistas que se materializou e como digo, nós não sabemos a importância que nós temos de estar em determinados locais, porque há oportunidades que se abrem e depois há uma vontade, uma disponibilidade da pessoa de ser essa porta e isso aconteceu, o que me deixou muito contente.
M - É boa essa sensação de se deitar na almofada e saber que mudou um bocadinho o mundo de alguém?
S - Eu sou uma pessoa que não gosto muito de levar as coisas pra mim mas tenho que reconhecer que efetivamente foi algo importante, teve uma repercussão. Porque nós às vezes podemos ter muitas ideias, podemos ter muitas iniciativas, mas se elas não se concretizarem, a coisa não acontece. E aqui tenho a agradecer ao banco, aos colaboradores e eu também tive a minha quota parte mas realmente foi tudo um conjunto. Tal como nós aqui somos uma equipa, nós estamos sempre atentos a trabalhar, a perceber as nuances do que está a acontecer para depois o todo conseguir ter o efeito.
M - Muito obrigada.
S - Obrigada.
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Luísa - Então como é que se chama?
Manuela - Eu chamo-me Manuela.
L - O que é que faz na vida?
M - Fui empregada bancária. Foi no banco que eu tive conhecimento das sessões do Café Memória. Logo no início, em 2013, habitualmente venho sempre aqui ao Café Memória no Colombo fui algumas vezes ao de Cascais. E fiz um interregno pelo meio, um ano, um ano e picos por motivos de saúde e há seis anos que sou voluntária aqui no Café Memória. O único senão é ter de levantar cedo ao sábado mas só custa o levantar cedo, depois de estar aqui já não tem problema.
L - Porque é que escolheu ser voluntária e principalmente no Café Memória?
M - Porque na altura tive conhecimento de uma pessoa próxima a quem foi diagnosticado Alzheimer, uma pessoa até mais nova que eu e que entretanto já faleceu e quase na mesma altura, tive conhecimento no banco que este projeto estava a ser desenvolvido e tive interesse em conhecer, em saber mais sobre o que era a doença do Alzheimer. E principalmente em falar com pessoas, com famílias, com cuidadores de pessoas com demência e partilhar experiências, saber o que essas pessoas sentiam, o que essas pessoas faziam. E foi basicamente por isso que me interessei.
L - Ainda agora me foi dito que o café memória só existe com essa dimensão por causa dos voluntários. Neste trabalho há algo que a deite abaixo?
M - Há situações, houve pelo menos duas situações que nós ficamos com os olhos mais brilhantes e que vamos daqui, um bocadinho, a pensar que realmente há situações que não nos passam pela cabeça que existem. Eu tive aqui a situação de uma senhora mais nova que eu a quem foi diagnosticado Alzheimer e o facto dela estar aqui a partilhar connosco o sentimento dela de saber que ia começar a percorrer um caminho que não tinha retorno e que ia começar a perder algumas faculdades foi uma coisa que na altura me marcou completamente. Eu não sei se as outras pessoas, se algumas se apercebem e outras não, não é? Mas uma pessoa que me parecia que estava completamente lúcida a aperceber-se desta situação e saber o que é que vai acontecer deve ser doloroso. E outra situação é um cuidador que até esteve aqui hoje, a maneira como ele tratava a esposa, era uma coisa deliciosa.
L - Aquele senhor...
M - O sr. Amadeu. Ele chamava-lhe princesa, o cuidado com que ele falava com ela era uma coisa absolutamente deliciosa. Não consegui ainda ver isso em mais em lado nenhum. E não é muito habitual hoje em dia. Ele realmente tinha uma relação, uma delicadeza, um cuidado, uma atenção, é fabuloso.
L - E heis alguém que diz que deve a sua sobrevivência ao Café Memória.
M - Exatamente. E ainda hoje me dizia que está a conseguir ultrapassar a situação, porque a esposa já faleceu, graças a nós. É isso que ele nos diz sempre.
L - Tem essa noção de que toca a vida das pessoas?
M - Sim, eu sinto quando saio daqui sinto que fiz alguma coisa e que para algumas pessoas que aqui vêm e que é o único momento em que elas se conseguem abstrair um bocadinho da situação, é um lugar comum a gente dizer que recebo muito mais do que dou mas é verdade que saímos daqui com a sensação de termos feito alguma coisa e de termos tido a sorte até de partilhar algumas coisas com essas pessoas.
L - Acaba por ser uma postura de vida?
M - Sim.
L - E quando está no seu dia-a-dia, transporta este olhar de quase perceber quem é que precisa?
M - Eu sou assistente social.
L - Então pronto, está tudo respondido.
M - Habitualmente até me preocupo muito mais, aliás, tenho pessoas minhas amigas que costumam dizer que nós também temos que pensar em nós e habitualmente, e principalmente em relação a minha família, eu costumo pensar mais neles. São sempre coisas que me tocam muito e fico muito agradecida até de poder partilhar com essas pessoas a experiência de vida delas e aquilo que eu lhes dou pra mim não é nada. Eu não lhes dou nada palpável mas para essas pessoas eu sinto que estou...
L - Consegue manter um olhar positivo durante a vida?
M - Consigo. Eu sempre fui uma pessoa muito positiva, aconteceu o que tinha que acontecer e depois que tive a minha doença, consegui ainda começar a ver a vida com ainda mais positivismo. Aliás no dia em que fui ao médico e que ele me deu o diagnóstico e me disse o que eu ia ter que fazer, quando saí, a minha filha disse: mãe, tu pareces um rochedo, o médico estava a falar contigo e ele estava admirado porque tu não demostravas e de certeza que tu tens que estar a sentir alguma coisa. Ou seja, eu consigo ultrapassar bem as dificuldades e é isso que eu tento transmitir aqui.
L - Isso é uma riqueza incomensurável.
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