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CM thumbnails CAP 3 EP 4

Conheça agora a entrevista com o casal Jorge e Antonieta Barreiros, ela tem Alzheimer e ele cuida dela, uma história que inspira a todos.

As entrevistas foram feitas pela embaixadora do projeto, Luísa Castel-Branco e por um membro da equipa Nave16.

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Jorge Barreiros - cuidador

Antonieta Barreiros - pessoa com demência

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Luísa - Então Dona Antonieta, quantos anos tem?

Antonieta - Sei lá, já lhes perdi a conta.

L - Já perdeu a conta? A partir de uma certa idade, o melhor é não contar!

A - É mesmo.

L - Uma pessoa esquece-se.

A - Tenho oitenta e… quantos?

Jorge - Setenta e sete.

A - Setenta e sete, eu sabia que era por volta dos oitenta.

L - E estão casados há quantos anos? É um amor muito antigo.

A - Não sei, quantos anos?

J - Cinquenta e um.

L - Cinquenta e um anos de casados! E têm filhos?

A - Sim, três. Rapazes só.

L - Só homens. E deram muito trabalho?

A - Acho que deram o trabalho normal.

L - E o J deu muito trabalho?

A - Assim assim. Ele gosta mais de me ajudar, é impecável.

L - E há quantos anos é que a Dona Antonieta precisa mais da ajuda dele?

A - Sei lá. Agora ando lá a contar isso.

L - Mais ou menos?

J - Cinco anos, é o que ela pede permanente mas cresceu ao longo dos anos. Ela começou com sintomas há uns doze anos depois foi diagnosticada há uns sete e depois os sintomas foram piorando e nos últimos cinco já começou a necessitar de assistência permanente.

L - E é demência, Alzheimer, Parkinson ou o quê?

J - É Alzheimer, sim.

L - Antonieta, o que é que gosta de fazer?

A - Sei lá.

L - Há coisas que lhe dão prazer, ver televisão?

A - Sim, isso vejo com frequência, tenho sempre a televisão acesa.

L - Gosta de novelas?

A - Sim, gosto de algumas, nem todas, não é.

L - Das notícias não gosta?

A - Algumas vezes.

L - E não se preocupa quando começam com aquelas coisas, explodir tudo e cheio de mortos por todo o lado? Uma pessoa até fica mal disposta.

A - Não. Mas normalmente se estiver a ver também não me afeta, não ligo nenhuma.

J - Não disseste aquilo que gostas mais de fazer.

A - Não disse o que gosto mais de fazer?

L - O que é que é?

J - É fazer ramos de flores, apanhar ramos de flores no quintal, três ou quatro vezes por dia aparece com um braçado de flores...

A - Tá calado, não exageres. (Risos)

L - Não é três ou quatro mas são algumas vezes. E faz arranjos de flores, é?

A - Gosto de sentir as flores. Colocar em jarras.

J - É flores pela casa toda.

L - Que bom, é uma casa florida. Eu gosto muito de flores em casa, por acaso gosto muito de flores.

A - O meu Jorge não gosta muito de flores, eu é que as ponho na casa. (Risos)

J - Nós temos uma casa muito grande com um quintal também muito grande onde há flores de todos os tipos.

L - É verdade.

J - Portanto, o fornecimento de flores é constante.

L - Ela pode ir lá e vai buscar e buscar e aquilo continua a crescer. É um desperdício aquilo estar ali fora, fica melhor dentro de casa.

Os seus filhos, está muitas vezes com eles?

A - Agora não.

L - Têm uma vida muito ocupada, é?

A - Eles têm, eu não tenho. Agora não faço nada.

L - Pois, eles crescem e têm muita vida muito ocupada. Já tem netos?

A - Sim. Três, não é?

J - Sim.

L - Que bom. Não é bom?

A - Sim. Mas também, vejo-os poucas vezes.

L - É?

A - Havia um que esteve até há, quê? Uns meses…

J - Até há um ano, viveu lá nove anos na casa ao lado da nossa. Nós vivemos na província, e os filhos estão mais virados para a cidade, para Lisboa, portanto não é fácil a convivência.

L - E amigas? Tem lá amigas na sua terra?

A - Não. Uma ou outra pessoa com quem tenho mais… mas assim amigas, amigas…

L - Amigas, amigas, não.

J - Já teve muitos amigos mas tais como familiares menos próximos, a situação é semelhante. Com o correr dos anos, começa a ter dificuldade em identificar as pessoas. Conhece a pessoa mas não sabe já o nome, não consegue por vezes localizar em que situação é que conviveram, é tudo uma nebulosa e do outro lado é a mesma coisa, isso gera um certo afastamento. Deixa de haver pontos comuns tanto do lado dela que não se sente bem a falar com as pessoas porque já não sabe quem são como do lado das pessoas que sentem que não há um terreno comum que possam utilizar, basicamente é isso.

L - E gosta de vir a estes encontros do Café Memória?

A - Gosto. E outras coisas quaisquer, gosto de sair.

L - Gosta de sair, de apanhar ar?

A - Sim.

J - Ela gosta de vir, diverte-se até. Aliás, na situação em que nós vivemos é a única situação que ela tem possibilidades de conviver com o exterior porque de resto nós vivemos sozinhos, a semana inteira sozinhos, os filhos vêem-se aí de mês a mês ou de dois em dois ou de três em três meses, portanto há semanas inteiras que nós, como eu costumo dizer, só falo com a empregada do supermercado quando vou à caixa pagar. Vir aqui para ela, a mim não faz diferença que sou introvertido, ela que é muito comunicativa gosta de vir, diverte-se e é a única situação com possibilidade de interagir com outras pessoas.

L - Já encontrou aí pessoas simpáticas para conversar?

A - Assim para conversar mesmo, não.

L - Está um bocadinho com elas…

J - O melhor do Café Memória não é muito adequado para esse tipo de partilha, é muito segmentado. Eles sentam-se à volta de uma mesa de café, uma ou duas pessoas participantes mais os voluntários e depois a interação é só naquele microuniverso, as outras pessoas que estão à volta não têm possibilidade de interagir. Portanto é um modelo limitado dentro sobre ponto de vista, para criar ligações e amizade e então uma pessoa que já tem estas dificuldades de comunicação está fora de causa.

L - Mas acha que é benéfica para ela vir ao Café Memória?

J - É, exceto naquelas sessões do Café Memória em que há demasiado barulho e agitação porque aí já ela própria se sente mal. Mas ultimamente não têm havido sessões dessas. Eu fiz aí umas críticas, a Catarina não gostou, há situações no Café Memória em que há jogos de carácter competitivo - mesa 1, mesa 2 - quem consegue identificar mais depressa autores, cantores, músicas, etc. Quando se gera essa competição entre mesas as pessoas esquecem-se, não têm noção de que nas vinte ou trinta pessoas presentes há quatro ou cinco ou seis que são velhos do Alzheimer a quem o barulho e a confusão faz bastante mal. Quando isso acontece, ela sente-se mal mas como isso é raro, de resto é uma convivência saudável para ela.

L - No seu caso, como é que mudou a sua vida? Nestes últimos cinco anos, principalmente.

J - Mudei a minha quando me reformei há seis anos, eu vivi sempre na zona de Lisboa tive uma vida profissional muito ativa, muito ocupada. Quando decidi reformar-me antecipadamente, uns meses depois apareceu-me o diagnóstico do Alzheimer, portanto todos os projetos que tinha feito para as férias, até comprei um carro novo para poder dar uns passeios, ficou tudo comprometido. Tinha aquela casa grande na província…

L - Em que sitio é que tem a casa?

J - No conselho do Cadaval, numa aldeia na encosta da Serra de Montejunto. A Serra de Montejunto ninguém sabe onde ela é, só se ouve falar no boletim meteorológico quando dizem “o sistema montanhoso Montejunto-Estrela”. É uma serra efetivamente a uns setenta quilómetros daqui.

L - E é bom viver naquela paz?

J - É, para quem gosta de sossego é bom viver. Porque são terras pequenas, são aldeias muito envelhecidas, gente nova há pouca, portanto há um grande sossego. Exceto os cães que ladram na rua e que às vezes não deixam dormir mas tirando isso é um sossego.

A - Mas os cães que estão na rua também podes levá-los para outro lado.

J - Os dos vizinhos não posso. (Risos)

L - É um trabalho a tempo inteiro.

J - É. É um trabalho completo de uma dona de casa, limpar, cozinhar, lavar a roupa, etc. De enfermagem, fazer os tratamentos, tratar da medicação, tudo.

L - E tem ajuda exterior?

J - Não, já tive ajuda da empregada de limpeza mas não me satisfazia. Prefiro fazer eu a limpeza, à minha vontade e quando eu quero. De resto, não há mais ajudas, que tipo de ajudas é que pode haver? Era aquelas, e até escrevi isso no questionário, é preciso alguns cuidados, o que há é problemas que umas vezes consigo resolver, outras vezes não. Os principais problemas que tenho é falta de apoios. A família vive toda na zona de Lisboa e portanto tem pouca disponibilidade para auxiliar. E os apoios públicos, são muito publicitados entre os políticos mas na realidade é zero, não existe nada de nada. Eles estão a construir a casa pelo telhado, a fazer uma coisa que se chama o estatuto do cuidador que é uma trafulhice pegada. Não é estatuto nenhum, é uma série de medidas avulso mas o básico que é a assistência médica, não há. A minha mulher, a título de exemplo, nos últimos 12 meses esteve seis meses sem médico de família e nos outros seis teve três médicos de família diferentes e não sei se ainda tem porque entretanto, como eles fazem contratos só de um ano com médicos, provavelmente já acabou o contrato já não deve ter o mesmo. Neurologistas, na minha zona, não há. Ela é assistida no hospital Amadora-Sintra, porque nós tínhamos casa em Queluz e mantivemos a assistência lá porque na nossa zona não há. E mesmo no hospital, a assistência é um pouco, não digo anedótica mas é quase. As consultas têm um intervalo de um ano, dois anos. Quando ela precisa de medicação, o Serviço Nacional de Saúde deve ser original. Quando ela precisa de medicação, eu aí envio um email para o hospital, para a secretaria que por sua vez faz chegar à médica a pedir a medicação e a dizer o que quer e dias depois recebo outro email a dizer “já tem a sua receita, pode vir buscar”. E isto é a assistência médica, pronto. Portanto falar em coisas avançadas, estatuto de cuidador quando nem sequer médico há, no mínimo é ridículo.

L - Tem um sorriso permanente na cara.

A - Tenho.

L - Está sempre a sorrir.

A - Sempre.

J - Ela é muito bem disposta.

L - É uma pessoa muito bem disposta, sempre foi?

A - Sempre.

J - Não.

(Risos)

L - Vamos já aqui resolver este problema entre J e mulher.

J - Ela teve uma evolução contrária aquilo que é normal nesta doença que é, à medida que a doença progride, começam as pessoas a tornar-se mais agrestes, mal dispostas, às vezes agressivas. Ela teve essa fase logo no início da doença mas depois de ter feito um tratamento com anti depressivos mudou radicalmente, perdeu a agressividade e a má disposição e ficou sempre assim bem disposta, sempre alegre e comunicativa, canta.

L - Olha que bom.

J - Já demorou uns quatro ou cinco anos esta alegria permanente

L - Pois, imagine ter aí uma pessoa ao pé de si sempre a (simula alguém a queixar-se).

Pronto, vou passar as perguntas aqui à minha amiga. Gostei muito de conhecê-la e continue com esse sorriso maravilhoso na cara.

M - Jorge, o que é que se sente quando se sabe o diagnóstico desta doença, como é que foi a reação do Jorge, da Antonieta, dos filhos?

J - Bom, o que eu senti foi como se tivesse desabado o céu em cima de mim. Ainda por cima na fase em que eu estava preparado para gozar a reforma depois de quarenta anos de trabalho.

M - O que é que o Jorge fazia?

J - Eu fiz várias coisas, fui gerente, diretor, administrador de empresa, advogado, fiz muita coisa. Portanto esse diagnóstico aos 65 anos, foi como se tivesse desabado o céu em cima mas…

A - Mas eu estou lá para por o céuzinho.

J - Adaptámo-nos.

M - Como é que teve conhecimento aqui do Café Memória?

J - Pela imprensa, lemos uma notícia no jornal. Quis ver o que era, vim sozinho, deixei a minha mulher em casa acompanhada e vim sozinho para ver e não gostei. Achei aquilo um divertimento infantil e continuo a achar que muito do que aqui se passa é infantil, para a minha maneira de ser. E é infantil porquê? Porque tendo em conta o perfil médico dos participantes. E como achei aquilo um bocado infantil, os jogos tipo brincadeira de parque infantil, desisti. Um ano depois - como entretanto a minha mulher começou a ficar pior - achei que talvez fosse bom vir, não por mim mas por ela. Então comecei a vir, não permanentemente mas intermitentemente, comecei a vir para a trazer não porque eu tenha interesse porque não tenho, às vezes tenho quando há palestras, por vezes convidam especialistas que dissertam sobre temas ligados à doença e ao tratamento e à forma de lidar com doenças deste tipo, dessas sessões eu gosto. As sessões que são de brincadeira realmente não é a minha praia.

M - Dona Antonieta o que é que ganha em vir aqui, é um momento de sair da rotina?

A - Gosto de vir, conviver com a gente porque ali na aldeia é um bocado…

M - Traz flores para aqui?

A - Já tenho trazido.

J - Não, levaste.

A - Ah, levei, então foi isso. Estava a fazer confusão. Mas sim, gosto de vir.

M - É uma vez por mês?

J - Não, não… bem, em média talvez porque há outras sessões do Café Memória noutros locais, organizadas pela Misericórdia em Lisboa, portanto umas vezes vamos umas outras vezes outras. Em média talvez seja uma vez por mês.

M - Muito obrigada. Um resto de bom Sábado.

J - O gosto é nosso.

A - Obrigada.

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