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É com muito orgulho que apresentamos as últimas entrevistas do 1º Capítulo do projeto de Storytelling do Café Memória pela Nave16. Estas são mais duas das seis entrevistas com os principais parceiros do Café Memória: Sonae Sierra, Associação Alzheimer Portugal, Fundação Gulbekian, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, fundação Montepio e Instituto de Ciência de Saúde da UCP.

As entrevistas foram feitas pela embaixadora do projeto, Luísa Castel-Branco e por um membro da equipa Nave16.

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Em baixo pode ler a transcrição completa das entrevistas.


1ª entrevista

Dr. Alexandre Castro Caldas - Instituto de Ciência de Saúde da UCP

1ª entrevista

Dr. Alexandre Castro Caldas - Instituto de Ciência de Saúde da UCP

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LCB – Qual a sua função, Dr.?

ACC – Neste momento sou o director do Instituto de Ciências da Saúde na Universidade Católica Portuguesa. Estou a organizar toda a área de saúde, de ensino, nomeadamente o curso de Medicina que está submetido a aprovação e fui professor catedrático de neurologia na faculdade de medicina de Lisboa.

LCB – Soube da existência do Café Memória ou foi quem a universidade indicou para estar neste projeto?

ACC - O Café Memória nasceu no contexto de outro projeto que estava já a decorrer juntamente com a Alzheimer Portugal – Cuidar Melhor - e, a certa altura, surgiu a ideia do Café Memória e, naturalmente, associámo-nos e apoiámos desde o princípio. O papel da saúde da universidade católica é contribuir para melhores sessões, contribuir para organização, etc. E foi sendo um parceiro na organização destas coisas que estão cheias de bom senso e que é preciso pôr a correr.

LCB - Mas o Dr. tem uma contribuição completamente diferente das outras pessoas porque é médico, não?

ACC - Sim mas aqui não estamos exactamente a tratar pessoas, estamos a discutir a doença, a discutir os doentes, a discutir as pessoas. Porque cada vez mais, nós percebemos que nesta área, na deterioração, na doença mental o papel do médico é relativamente pequeno porque tem um papel importante no início, no diagnóstico e perceber se de facto estamos perante uma situação destas, tem um papel no acompanhamento no sentido de se aparecerem outras doenças associadas, como é próprio das pessoas com idade mais avançada, mas o grosso do apoio não resulta dos médicos, resulta de uma série de profissionais que neste momento estão capazes de intervenções muito importantes, cada vez mais nós temos evidência da eficácia dessas intervenções. Tem sido um empenho meu favorecer as intervenções não medicamentosas e que são úteis para ajudar não só os doentes, mas sobretudo a família, os cuidadores.

LCB - O que chama não medicamentosas?

ACC - Não medicamentosa é ensinar a família a dar-se com o doente, manter o doente na sua casa, criar um ambiente perceber quais as expectativas, tem de ter terapeutas que façam estimulação como deve ser, não é pôr a pessoa a fazer sudokus que se estimulam as pessoas. As pessoas têm de ser estimuladas a fazer as coisas que são úteis para a vida, serem apoiadas a encontrar chaves para resolver os problemas do dia a dia, por exemplo se sai de casa leva sempre a chave de casa, saber que quando chega põe sempre no mesmo sítio. Criar rotinas para a pessoa viver e depois ir acompanhando a evolução tentando que se vão corrigindo os erros à medida que vão surgindo. E, enquanto for possível estar em casa, tanto melhor. Portanto, são equipas que têm de ir a casa, têm de ajudar e criar depois zonas em que há áreas de intervenção que estão neste momento provadas já como eficazes, que vale a pena continuar a fazer como a zona da atividade física, da musicoterapia, várias coisas que se demonstram úteis nestes doentes, é um envolvimento muito mais complicado do que uma simples consulta. Na primeira fase, nós sabemos que o manter dentro do próprio sítio aguenta muito nestas certas situações, o corpo conhece a casa conhece os espaços e é sabido que quando se muda para outro sitio cria uma desorganização muito grande e a pessoa fica muito pior, há uma degradação. Se conseguir que a pessoa tenha apoio durante o dia e até pode ser noutro sitio, numa instituição onde pode fazer coisas como faz em casa, ter uma cozinha, fazer almoços, conviver com outras pessoas, depois ao fim do dia vai para casa onde está a família também, por um lado poupa a família desse peso de ter que tomar conta dela e por outro estão outra vez juntos. É muito importante porque a noite pode resultar de uma excitação do dia, se o dia não correr bem a noite é agitada. Tem de se ter cuidado com isso, todo esse trabalho resulta de uma série de profissionais.

LCB - Qual é a sua opinião sobre os cuidadores?

ACC - O cuidador tem de ser reconhecido em termos de reconhecimento como se reconhece as mães e os pais para as crianças, aqui há de facto um peso grande que as pessoas têm e que tem de ser entendido como necessário porque o próprio Estado não tem capacidade de responder e quanto mais tempo forem os familiares a aguentar melhor. Portanto, se forem orientados e puderem participar no processo de apoio, eu acho que isso até representa para o Estado uma melhoria e para os cidadãos uma melhoria também e é nesse sentido que deve haver um estatuto. Não é exactamente um estatuto profissional. Não sei como é que seria, como é que funcionava, nós temos de perceber é que o cuidador informal não é um processo de trabalho, é um processo de afetos fundamentalmente e, portanto, tem de ser entendido de uma perspetiva totalmente diferente de um processo laboral.

LCB - Sendo que o cuidador tem uma fase de início, mas depois com a degradação é a família toda que sente aquele abalo. A pessoa que partiu está ali e partiu para outro sítio e é extremamente doloroso para as famílias...

ACC - É extremamente difícil, mas a verdade é que as pessoas têm muito o hábito de dizer que partiu, não partiu completamente, vê-se muitas vezes doentes que andam a circular à volta da casa dos filhos, um mês em cada casa e há sítios onde se sentem muito melhor do que em outros. A pessoa não desapareceu, está lá. Ainda tem noções. Quando já não conhece os outros, eu não sei qual é que o limite porque há uma evidência que é possível apesar de tudo. Em determinados momentos estas doenças são como o cubo de rubik, está a andar às voltas e em determinados momentos fica tudo certo, de repente há uma resposta que é apropriada e a gente não percebe como é que aquilo aconteceu, mas depois rapidamente desaparece. O que isso significa é que em vários níveis da relação humana, que são naturalmente os mais conscientes, outros menos conscientes são os níveis mais elementares da relação aquilo que é o componente de aproximação das pessoas está presente até muito tarde.

LCB - A sua experiência no café memória é gratificante?

ACC - Eu acho que tem sido um sucesso, eu ao princípio tive um bocado de receio que não fosse muito bem aceite, eu acho que foi o mérito de quem organizou, mas a verdade é que há uma atividade grande das pessoas e isto tem contribuído para que as pessoas tenham conhecimento porque não se pode esconder isto.  Eu sinto, às vezes, que os portugueses não gostam muito destas coisas, sair de casa, para se sentar num café a discutir estas coisas, a dinâmica está neste momento a correr bem e nunca aconteceu ver um dia que se organizou e não apareceu ninguém. É preciso que as pessoas estejam atentas e não digam "ah isto é de envelhecimento, pronto está velhinho"....

LCB - Estas alterações profundas na sociedade que a Internet veio trazer. Esta dependência do Facebook, do Instagram, de uma vida virtual, no futuro não pode ser ainda mais nocivo para as pessoas?

ACC - É muito difícil ser profeta, e tenho visto profetas a falharem redondamente nas suas profecias, e portanto é muito difícil dizer o que vai acontecer. Há coisas que impressionam… A mim impressiona que as crianças substituam um olhar de olhos nos olhos e a leitura de um sorriso por uma cara idiota amarela que está a fazer uma expressão qualquer que eu acho que não vai moldar de forma nenhuma os afetos das pessoas, porque a certa altura os amigos quando se encontram começam à procura da carinha amarela no outro... que não a tem e portanto toda a vida, a relação das pessoas são completamente alteradas porque o valor da mentira tem o mesmo valor da verdade. Eu acho que é preciso incentivar que as pessoas tenham relações verdadeiras que se encontrem umas com as outras  e esta forma parece muito má principalmente para as fases mais complicadas da vida que é sobretudo a adolescência em que o confronto entre as pessoas é crucial para montar a sua personalidade e, portanto, adolescentes agarrados àqueles sistemas eu fico sempre preocupado com o que pode vir a acontecer mas é preocupação não é futurismo.

LCB - Mas isto está a atingir proporções que pode afastar muito mais as pessoas. As pessoas até acharem que têm muitos amigos e estarem sós.

ACC - Até há um estudo muito interessante de medir as zonas do cérebro que estão relacionadas com o Facebook  e com pessoas que têm muitos amigos no Facebook e comparadas com as pessoas que não têm Facebook e que têm muitos amigos e o cérebro ativa-se de maneira diferente.

LCB - No futuro estas relações que agora são essenciais vão ter consequências...

ACC - O cérebro é muito plástico, pode-se adaptar. Acredito que é sempre possível dar a volta. Acho que devemos estar atentos, fazer o seguimento das coisas, mas à procura de evidências que nos ajudem a tomar decisões.

Nave16 - O Café Memoria quer traçar uma mensagem positiva não só para as pessoas com demência mas para os cuidadores também?

ACC – Exatamente, sobretudo a mensagem de que temos um problema e temos que o enfrentar como deve ser e não se pode enfiar a cabeça debaixo da areia e o Café Memoria traz ao de cima essa consciência que nós pretendemos que as pessoas saibam do que é que estão a falar e muitas vezes nem sequer se está a falar das coisas e percebe-se do que é que se está a falar e vão-se falando dos problemas e vão-se tentando encontrar soluções e as pessoas arranjam apoio, sobretudo pessoas que vão ao café memoria que já estão a sofrer como cuidadores de familiares e que sentem o apoio que para eles é muito importante.

Mave16 - É uma ajuda mais informal mas que acaba por aliviar no peso que carregam.

ACC - Eu moro num bairro popular da cidade e às vezes ao domingo saio para ir comprar o jornal e no Verão estão as janelas abertas e estão as pessoas a conversar e as pessoas estão todas a falar de doenças o que é muito interessante portanto temos esse hábito e se calhar isto é uma forma de controlar esse impulso de trocar impressões, na idade média os doentes punham-se na borda da estrada a perguntar a quem passava o que é que achavam da doença deles, era assim que se faziam as consultas e isso faz parte de uma relação social das pessoas umas com as outras que eu acho que é muito importante que as pessoas reconheçam nos outros os mesmos problemas, que não são únicas e isso distribui um bocadinho o sofrimento.

Nave16 - Quando participa no café memória o seu papel é conversar sobre a doença ou também é um contexto mais informal?

ACC - Geralmente pedem-me para fazer uma introdução e depois responder a perguntas e as perguntas tem de ser interrompidas a maioria das vezes porque as pessoas nunca mais se calam a fazer perguntas e isso é muito importante que haja essa interação porque as pessoas ficam mais tranquilas. A pergunta é muito interessante porque não é uma pergunta é um desabafo e não querem saber da resposta para nada precisam de se ouvir a dizer as coisas e ficam muito satisfeitas por terem dito.

Nave16 - Foi ao primeiro Café Memória?

ACC - Fui ao primeiro café memória e já fui a vários cafés memória espalhados pelo país, fui às comemorações também.

Nave16 - Também estava com receio que não aparecesse ninguém?

ACC - Sim era o receio que não funcionasse, mas logo o primeiro funcionou bem.

Nave16 - Qual foi o sentimento quando acabou o primeiro?

ACC – Que vale a pena continuar. Foi um sucesso, e felizmente está a espalhar-se pelo país todo, é difícil depois organizar uma coisa tão extensa, mas eu acho que a certa altura vai ser possível que esta rede possa funcionar, porque convém que seja com a mesma linguagem que já sabemos que funciona, portanto vamos continuando com o mesmo modelo e eu acho que isto tem sido muito importante para muitas pessoas. Neste momento, o número de pessoas que já estiveram é enorme.

Nave16 - Muito obrigada.

ACC - Obrigado.

2ª entrevista

Paula Guimarães - Fundação Montepio

2ª entrevista

Paula Guimarães - Fundação Montepio

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Por que decidiram ser parceiros do Café Memória?
Porque o projeto reunia os quatro ingredientes que consideramos essenciais para um projeto apoiado pela Fundação Montepio: existência de parcerias, envolvimento dos destinatários, inovação e capacitação.

Quando se associaram a esta causa?
Logo desde o seu inicio, em 2012.

Qual, objetivamente, o vosso papel no desenvolvimento do Café Memória?
Para além do cofinanciamento, em articulação com a Fundação Gulbenkian, o apoio técnico durante o processo de reflexão e construção do projeto.

Do que mais se orgulham por fazerem parte deste projeto?
De contribuir para a inclusão das pessoas com demência, para a desdramatização do processo de cuidar e para o apoio aos cuidadores nessa difícil tarefa de prestar cuidados e promover os direitos.

Conseguem destacar um momento, ao longo destes seis anos, que vos tenha marcado?
Naturalmente a participação nos próprios cafés memória, onde aprendemos muito com os dinamizadores e sobretudo com os participantes.

Qual o impacto que acreditam que o Café Memória tem na sociedade?
Creio que tem um enorme impacto, não só na mudança de mentalidades mas no apoio aos heróis anónimos que são os cônjuges, filhos e outros familiares que, diariamente, asseguram o bem-estar dos doentes.

Já passaram seis anos desde que o Café Memória foi criado. O que pensam que pode ainda acontecer neste projeto ?
Pode escalar para todos os concelhos onde existem pessoas que precisam deste apoio, pode aumentar a sua frequência e constituir um espaço de apoio ainda mais regular. Afinal, não tomamos café todos os dias?

Continue acompanhando o projeto de Storytelling do Café Memória, teremos muitas entrevistas e conteúdos importantes pela frente.
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